Archive for the ‘Momentos’ Category
Por onde andei…
Hoje acordei com saudades. Já viajei um pouquinho pelo mundo e sempre trouxe na bagagem um tantinho desse sentimento…
Às vezes dá uma vontade de tomar uma taça de vinho às margens do Seine. Ou de subir correndo as estreitas escadas do Castelo dos Mouros. De apreciar o deserto de areia movediça que cerca o Monte Saint Michel no inverno. Sentir os olhos lacrimejarem diante do fogo da Jemaa El-Fna. Caminhar de madrugada entre os túmulos do Canongate Kirkyard. Apreciar as luzes coloridas que adentram o Palacio de Cristal no Retiro. Procurar comida em uma tarde de domingo na Viehofer Straße. Saborear uma tarta de Santiago na praça da Quintana. Fechar os olhos enquanto soam os sinos na torre do Kölner Dom. Comer trufas de chocolate na calçada do Grand Place-Grote Markt. Molhar os pés no Mediterrâneo. Não molhar os pés no Mar Negro. Beber Glühwein diante dos Stadtmusikanten. Deixar uma lágrima na Fonte dos Amores. Beber uma taça de lágrima às margens do Douro. Ouvir Mozart ao lado da estátua do Commendatore. Contar histórias de fantasmas madrugada adentro nos gramados do Château de Caen. Meditar ao som das águas do jardim Generalife. Pisar as areias quentes de Aït Benhaddou. Correr em meio às colunas do Parc Güell. Lutar contra a força dos ventos no Cabo da Roca. Sentir o coração bater mais forte no sítio arqueológico de Pompeii. Admirar os belíssimos corvos da Tower of London. Maravilhar-se com a Ciutat de les Arts i les Ciències. Embebedar-se em um Köhlfahrt pela zona rural de Oldenburg. Comer uma pizza quattro formaggi na Piazza Navona. Acordar em um barco na Oosterdok… Levo essas e outras tantas experiências em meu coração.
Mas hoje eu acordei mesmo é com saudades de atravessar uma rua comum, em um dia sem graça, sem ter a mínima ideia do que fazer. De olhar para cima porque prédios mal cuidados escondem o horizonte. De olhar para baixo porque não há nada de especial no céu nublado. De fechar os olhos porque o chiclete no concreto também não me encanta. De me sentar em um banco qualquer, de uma praça qualquer, em um canto qualquer da cidade. De falar besteiras, discutir futilidades ou apenas sorrir, e ter um sorriso de volta.
Afinal, o que há de mais precioso no mundo é muito simples.
As aventuras de pequena Quel
Episódio de hoje: Aprendendo alemão (parte II)
Pequena Quel. Kleine Quel. Na aula de alemão. Im Deutschunterricht. Quinta. Donnerstag. Hora do almoço. Mittagessenszeit.
Se já é difícil se concentrar na aula em um dia normal, imagina em uma quinta quente e abafada! Pequena Quel entrou em seu curioso estado de semi-atenção. Semi-vida. Parte de seu espírito estava atenta às palavras estranhas que saiam da boca da professora. Língua engraçada. Difícil. Mas outra parte de seu espírito corria descalça por campinas nubladas em busca de uma flor azul.
A professora insiste. Ela quer que todos se dediquem às tarefas. Ela realmente acredita que seja possível aprendermos alemão! E, então, pede que leiamos o texto do livro:
“O que se passa lá fora
A melhor história que já ouvi não ocupa nem uma página e meia. Esqueci o nome do autor. Li um dia no jornal. Dois doentes terminais dividem um quarto. Um fica em uma cama perto da porta; o outro, perto da janela. Somente o que fica perto da janela consegue olhar para fora, então, ele narra ao companheiro, durante horas, diariamente, tudo o que se passa lá fora. Um dia, esse paciente começa a passar muito mal. O que se encontra perto da porta poderia chamar a enfermeira, mas não o faz: ele está pensando na cama junto à janela. De manhã, o outro morre, sufocado. Em pouco tempo as enfermeiras limpam a cama desocupada. Ávido e esperançoso, o paciente ocupa sua desejada cama unto à janela. Ele vira o rosto para ver o que há lá fora. Nada: apenas um muro.”
Terminada a leitura, a professora pergunta o que a turma achou do texto. Um aluno diz que o achou triste, outro diz que o achou engraçado… e, em pouco tempo, a sala toda se rende a uma descontraída análise textual. Pequena Quel sai de seu torpor e se coloca entre as duas posições, tentando justificar que a tristeza da história a torna cômica. Algumas vozes sentem pena do homem que cometeu um crime em vão, outras acham que foi uma forma de justiça. Alguém menciona a bondade do paciente que inventava histórias sobre o que se passava do lado de fora. Outro lembra que Luís Fernando Veríssimo escreveu uma crônica semelhante. Alguém se revolta contra a qualidade desse hospital que permitiu a morte de um paciente. Outro diz que isso poderia ter ocorrido no SUS.
E logo as vozes começam a se misturar, as palavras se atropelam e a análise vai ficando mais e mais animada. No entanto, a professora não está contente e tenta pedir silêncio. A discussão, contudo, já criou vida e se tornou algo muito maior que a sala de aula. Não há como parar: todos querem falar ao mesmo tempo. Alguns escutam seus colegas enquanto falam, outros somente falam. A aula de alemão nunca foi tão viva em uma quinta-feira!
Eis que, com um grito desesperado, a professora consegue deter o monstro da discussão e diz:
“Não dá para comentar o texto em alemão? Eu quero saber o que vocês pensam, mas auf Deutsch!”
A sala encara a professora com espanto por breves segundos, até se ouvir uma voz tímida e insegura:
Matheus diz: “Auf Deutsch? Ok. Das ist traurig” (“Em alemão? Ok. É triste”)
E, aos poucos, outros alunos vão fazendo coro:
Miguel diz: “Das ist traurig”
Mirele diz: “Das ist traurig”
Pequena Quel diz: “Das ist traurig”
…
E, em poucos segundos, num feito raríssimo, uma sala de 20 alunos consegue chegar a um consenso sobre o texto: das ist traurig.
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As aventuras de pequena Quel
Episódio de hoje: Uma lição para toda a vida
No longínquo ano de 1998, professora Judita propôs à sala da 4ª série A uma singela tarefa: cuidar de um ovo.
Cada aluno deveria pedir um a seus pais e levá-lo para a escola durante cinco dias. É claro que a classe fez o favor de complicar esse simples dever criando uma atmosfera de competição para ver quem tinha o ovo mais bonitinho, o mais bem vestido, o mais descolado, o mais sexy…
Pequena Quel escolheu um ovo particularmente redondo e, utilizando toda a sua criatividade, chamou-o de Sr. Ovo. Animada com a tarefa, não via a hora de desfilar com seu ovo para lá e para cá na escola. Juntos iriam brincar no parquinho, visitar os coelhos, rolar na grama, fugir da Donana da 4ª B e ouvir histórias sobre a menina do bueiro.
Sr. Ovo, criatura serena que não se chocava com facilidade (ba tum tsss), era pardo, vivia em uma cestinha amarela enfeitada de roxo e não usava roupinhas. Possuía apenas dois olhinhos expressivos que transmitiam carinho e confiança àquela que zelava pelo seu bem estar (vide reconstituição fotográfica).
Contudo, Senhora Dona Mãe, conhecendo a filha estabanada que tem, decidiu cozinhar o sr. Ovo. Era para o bem de pequena Quel, para garantir que ela não ficaria triste quando derrubasse no chão seu novo amiguinho, quando tropeçasse com ele na mão, quando esquecesse que o estava carregando, quando o largasse em um canto qualquer para brincar de pega com os coleguinhas. Assim, em uma panela de água fervente, Dona Mãe matou o propósito da tarefa e privou nossa heroína de adquirir qualquer senso de responsabilidade que pudesse advir dos cuidados com um ovo.
Com aquela missão, mais do que desenvolver seu instinto materno, pequena Quel começou a desenvolver sua conhecida paranoia. Morria de medo de ser desmascarada. Ninguém poderia tocar em Sr. Ovo. Ninguém deveria chegar perto para não sentir seu cheiro, o qual, diga-se de passagem, já se podia notar logo no primeiro dia.
Sr. Ovo não deveria chamar a atenção, não poderia brincar com os outros ovos. Isolaram-se os dois, ovo e Quel, a fim de proteger o segredo do cozimento.
Dona Judita, professorinha de longa data, não ficava inspecionando os ovos de perto, apenas perguntava vez ou outra como eles estavam. Mas, no último dia, para azar de nossa mini aventureira, enquanto elogiava distraidamente a bonita cestinha amarela, Judita foi aproximando seus dedos do rostinho contente do Sr. Ovo…
– Não! – gritou Quel para afugentar o perigo.
A sala toda prendeu a respiração enquanto observavam a cena. A professora afastou a trêmula mão, aguardando uma explicação plausível. Quem grita assim com a querida professora? Pequena Quel precisou pensar rápido:
– É que ele tá dormindo. Acorda ele não.
A professora riu e os colegas respiraram aliviados. Criança diz cada coisa!
Uma nota A seria mais que merecida, mas não nos lembramos ao certo se a tarefa foi avaliada. Sr. Ovo veio a falecer numa pacata manhã de sábado e, apesar dos veementes protestos de nossa heroína, não teve um enterro digno. Por mais que pequena Quel insistisse em lhe conceder todas as pompas necessárias para que ele pudesse adentrar o submundo dos ovos, ele foi sumariamente atirado no lixo orgânico. Diz a lenda que, algum tempo depois, Sr. Ovo reencarnou em um pintinho asmático. Quel, por sua vez, tornou-se uma garota menos responsável e mais paranoica, como havia de ser.
As aventuras de Pequena Quel
Episódio de hoje: Super-Lady salva o dia
Nesta linda manhã de sábado, Quel decidiu acompanhar sua mãe ao mercado. Depois de alguns dias acamada, qualquer desculpa para sair de casa é mais que bem-vinda. E as duas ainda levaram o cachorrinho para passear. Lady Biscoito é uma simpatia de cachorro, gosta de chamar a atenção e de brincar com estranhos. Ela late, chora, rola no chão, faz o que for preciso para convencer as pessoas a pararem para lhe fazer um carinho ou ao menos um elogio (“que cachorro bonito!”, “de que raça ele é?”, “morde?”, “é filhote ainda, não?”, “é uma menina!”, “que gracinha!”). E por isso é sempre um prazer passear com essa miúda.
Hoje, enquanto Senhora Dona Mãe fazia as compras, pequena Quel e Biscoitinha ficaram aguardando do lado de fora. Muitas pessoas passaram por elas, algumas sequer olharam para o lado, mas várias pararam para brincar com a animada cachorrinha.
Pequena Quel, meio distraída, acompanhou com os olhos enquanto um carro ocupava uma das vagas perto da entrada. Eis que um conhecido adesivo lhe indica que em breve ela veria um antigo vizinho de Kitnet. E pequena Quel não estava muito contente com o possível reencontro, então deu as costas com a certeza de que ele jamais a reconheceria (tão longe de Barão, mais magra, mais loira, com óculos de sol e acompanhada de um cachorro). Mas Lady percebeu que algo não estava bem e começou a encarar o moço e a rosnar baixinho. Pequena Quel continuou de costas, tentando distrair sua cachorrinha:
“Não, menina, faz isso não… olha lá a mãe na fila do caixa… cadê a mãe, bebê? Cadê a mãe?”
Mas não adiantou, Lady continuou cismada com o moço. E, para não deixar dúvida alguma sobre sua identidade, ao se aproximar, o infeliz falou baixinho… “gostosa!”
Pronto! Pequena Quel nem teve tempo de reagir diante da grosseria… Lady Biscoito avançou no cara e começou a rosnar feito louca, mostrando os dentes e latindo de um jeito nunca visto antes. E foi difícil segurar a ferinha. O homem recuou e disse rindo com desdém: “eu estava só brincando, não precisava mandar o cachorro atacar”.
Ninguém precisou mandar o cachorro atacar. O cachorro nem conhece esse comando. O cachorro senta, deita, fica, vem, finge de morto, dá a patinha, mas não ataca, não por comando. E, assim, Lady Biscoito provou ser muito sensível ao que acontece à sua volta e mostrou que sabe decidir sozinha quando é hora de deixar de ser uma princesinha fofa para ser uma guerreira advogada dos bons costumes.
Chegando em casa, essa pequena heroína ganhou muitos mimos. Que orgulho!
Parece que pequena Quel agora tem uma excelente companheira para lhe ajudar nas batalhas da vida! Tem como não amar esse cachorro???
As aventuras de pequena Quel
Episódio de hoje: Entrando no elevador
Pequena Quel, como muitos de nós, é feita de sonhos malucos, afetos sinceros, boas lembranças, sorrisos tímidos e olhares que dizem tudo. E acredito que essa é uma boa combinação. Mas, infelizmente, nessa receita há alguns tantos ingredientes que pequena Quel preferiria que não estivessem lá. E um deles é o medo.
Pequena Quel tem medo. E tem medo de muitas coisas:
– aranhas,
– ficar sozinha no escuro,
– palhaços tristes,
– assistir filmes de terror (sem a Lu)
– escorpiões,
– ser apedrejada por crianças em Fez,
– windows 8,
– não terminar o mestrado,
– fanatismo,
– tomar as decisões erradas etc.
A lista é mais grandinha que isso. Mas se tem algo que leva pequena Quel a passar mal de tanto medo, esse algo é ficar presa em lugares fechados. E é por isso que ela desconfia de elevadores. Não espere um dia dividir o elevador com a Quel e ao mesmo tempo ter uma descontraída conversa sobre o tempo. Não vai funcionar. Ela estará toda tensa localizando o botão de emergência e se perguntando se o elevador irá parar, se as luzes vão se apagar, se ela vai morrer ali… enfim, nada de muito estranho para quem compartilha desse medo.
Mas no mundo em que vivemos, com prédios cada vez mais altos, seria impraticável ignorar a necessidade dos elevadores, então pequena Quel foi buscando meios de lidar com isso da melhor maneira possível. E foi assim que ela aprendeu que prefere ter companhia ao usar um elevador, pois sozinha sobra mais espaço para o medo se acomodar e incomodar. Mas companhia demais também não é confortável, pois é preciso ter espaço para ficar relaxada, respirar tranquila e repetir para si mesma que está tudo bem e que o elevador não irá parar. Então, se o elevador estiver muito cheio, mesmo que ela esteja morrendo de pressa, pequena Quel vai esperar o próximo. E não adianta o senhor simpático se espremer no canto para lhe indicar que ela pode entrar, ela dará um discreto sorriso e se recusará a entrar no elevador lotado; fina e elegante, como se fosse importante demais para dividir espaço com aquelas tantas pessoas que se encontram ali. Mas não é arrogância. É medo. E, como todo medo, é também irracional.
Talvez o oposto do medo seja o prazer. E, se for assim, para pequena Quel, um prazer tão grande quanto seu medo de elevadores é poder viajar. E foi em uma das viagens mais gostosas que ela já fez na vida que nossa heroína precisou encarar seu maior medo.
Pequena Quel estava tendo um dia particularmente feliz. Havia desfrutado de uma divertida viagem de carro, de um conturbado almoço em Bruges e de uma deliciosa tarde na companhia de amigos super queridos. O dia já estava terminando quando chegaram em Bruxelas. E o plano era bem simples: fazer o check-in no hotel, tomar um rápido banho e virar a noite bebendo, rindo e respirando o ar da boemia europeia.
O rapaz do hotel acompanhou pequena Quel e seus amigos até a porta do elevador, prontificando-se a ajudar com a bagagem. O elevador chegou e a porta se abriu diante do grupo…
O horror! O horror! Por Hércules! O que era aquilo?
Velho, vermelho, vesano! Aquilo não era um elevador! Era um pesadelo!
Pequena Quel sabia que algo estava errado e que não podia entrar naquela cápsula da morte. Mas, encorajada pelos amigos que já iam se acomodando no minúsculo espaço e pelo rapaz que lhe indicava o caminho com os braços e exibia um malicioso sorriso, pequena Quel ignorou todos os alertas que sua mente lhe enviava e entrou. E ainda exibiu seu francês ao agradecer o rapaz que gentilmente lhe conduzia a uma das piores experiências de sua vida.
As portas se fecharam lentamente diante de seus olhos dando uma leve tremidinha antes de se encontrarem. O elevador fez um barulho estranho e subiu um pouquinho. E aí parou. E aí subiu mais um pouquinho. E parou. E continuou parado. E o ar foi sendo sugado para fora. E tudo começou a girar. E um verdadeiro pânico invadiu o elevador e atingiu em cheio nossa pequena amiguinha. E foi horrível.
O que fazer numa hora dessas? Processar o hotel? Consertar o elevador? Tratar o pânico que se instaurava? Registrar o acontecido para a posteridade? Tínhamos advogados, engenheiros (elétrico e mecânico), psicológo, historiador… e a pequena linguista estava surtando tanto que não conseguia nem produzir uma vogal, muito menos a fricativa necessária para começar a pedir socorro…
E a voz ficou travada na garganta. E as lágrimas foram inevitáveis. E pequena Quel sabia que a situação, no fundo, oferecia pouco risco, quiçá risco nenhum. Mas ainda assim chorava. Mas não chorava de medo, pois maior que o próprio medo era a vergonha do medo que sentia. E se algo a impedia de entrar em pânico era o fato de não estar sozinha, mas na companhia de amigos incríveis que estavam ali tentando lidar com a situação da melhor maneira possível. Foi horrível, mas sem a companhia certa teria sido mil vezes pior. E quando as portas finalmente se abriram e o ar voltou a encher seus pulmões, pequena Quel correu para fora do elevador como um bichinho assustado. E, depois do acontecido, mesmo de madrugada, quando voltou para o hotel meio bêbada e meio cansada, morrendo de vontade de fazer xixi, ela subiu correndo todos os lances de escada sem reclamar, sem nem pensar em entrar no elevador novamente.
Mas agora, toda vez que precisa entrar em um elevador suspeito, pequena Quel se recorda daquela tarde e repete para si mesma: “se o elevador parar, eu vou sobreviver; já passei por isso uma vez e ficou tudo bem”. O bastardo do medo ainda está lá, mas nossa pequena heroína agora sabe que é capaz de enfrentá-lo. E se um golpe não funciona mais de uma vez em um mesmo cavaleiro, o medo agora está em desvantagem. E que venham os próximos desafios! Mas, por favor, não joguem aranhas na Quel, não é assim que funciona…
As aventuras de pequena Quel
Episódio de hoje: Ganhando um cachorrinho
A manhã acordou lentamente. O perfume dos panetones assados no dia anterior ainda pairava no ar e se misturava com aquela leve alegria tão típica das manhãs de Natal. Na sala, sentada junto à árvore decorada com anjinhos de madeira, uma pequena garotinha, ainda em seu pijama, aguardava ansiosamente a chegada de seu presente.
Essa esperta garotinha já sabe que Papai Noel não existe, então aperta suas mãozinhas com toda a pequena força que possui, pedindo aos céus que seus pais tenham lhe comprado um vistoso cachorrinho.
*Nada torna a vida mais linda que os sonhos de uma inocente criancinha na manhã de Natal*
Mas, infelizmente, a vida é cheia de “mas”, “porém”, “todavia”, “contudo” e outras tantas adversativas que exprimem tão bem nossas adversidades!
E o “mas” dessa história possui um nome composto e pomposo: Rinite Alérgica. Pois é, aquela meiga garotinha, esperando ganhar o cachorrinho que inundará sua infância com lindas recordações, está prestes a sofrer sua segunda grande decepção. A primeira foi quando enterrou suas moedinhas acreditando que nasceria um pé de dinheiro (o Eto e o Rik juraram que daria certo!).
Voltemos àquela fresca manhã de Natal… E lá estava nossa amiguinha, apertando os lábios com os dentes, olhando esperançosa para o corredor, de onde seus pais viriam trazendo nos braços seu já tão amado bichinho de estimação. Eis que, quando seus pais finalmente adentram o recinto, um acanhado feixe de luz, escapando por entre as cortinas, acerta em cheio os olhos da menininha, fazendo com que ela pisque várias vezes seguidas e leve suas pequenas mãozinhas ao rosto para conter as lágrimas. Alérgica e Fotofóbica. São necessários alguns segundos para que a garotinha recupere a visão e consiga ver, lacrimejando, o que seus progenitores trazem nas mãos: um lindo casal de… tartarugas. Dingou e Bel.
Naquele exato momento, pequena Quel aprendeu uma lição em sua vida: tartarugas são os cachorros das crianças alérgicas. Dez minutos brincando com seu presente e pequena Quel aprendeu uma nova lição: tartaruga não é cachorro coisíssima nenhuma. E coitadinhas das crianças alérgicas!
Seus pais, com a melhor das intenções, tentaram lhe mostrar que aqueles bichinhos seriam mais interativos que os passarinhos da família Faustino (de fato!). E pequena Quel, sendo a boa filha que sempre foi amou aquelas criaturinhas com todo o seu coração e prometeu cuidar delas como se fossem dois vívidos cachorrinhos.
É importante fazermos nesse momento uma singela ressalva. Não pense, caro leitor, que pequena Quel havia ganho um casal de jabutis, os quais poderiam andar independentemente, ainda que lentamente, pela casa. Não! Eram duas tartaruguinhas de aquário, apáticas criaturas que sequer fixavam seus olhos em sua miúda dona.
Os anos foram se passando e pequena Quel dava tudo de si para conseguir brincar com seus animaizinhos de estimação. Ela tirava os bichinhos do aquário, contemplava sua frustrada tentativa de fuga, devolvia-os ao aquário, batia no vidro, servia-lhes petiscos e repetia para si mesma que estava se divertindo muito.
Alegria maior foi quando uma terceira tartaruga veio compor a matilha: a Alcaparras.
Alcaparras era o mais perto de um cachorro que pequena Quel teria por anos. Ela reconhecia o próprio nome e parecia gostar de ter sua barriguinha coçada, pois sempre retribuía o carinho com aquele ronronar mudo tão típico das tartarugas.
Eis que, numa tarde cinzenta, Dingou faleceu. Papai Faustino, sempre tão atento à felicidade de seus filhos, não tardou muito a providenciar um novo macho alfa para a matilha: Dino.
Acontece que Dino possuía um segredo sombrio: era um psicopata assassino. Tudo o que essa tartaruga sanguinária queria era morder, mutilar e se comprazer com o desespero alheio. E, quando ele mordia, era sempre arremessado contra a parede numa tentativa desesperada da vítima de se livrar do seu predador. Um aviso, caro leitor! Antes de se apiedar da criatura, saiba que ela não se machucava ao ser impetuosamente arremessada, ela rapidamente se recompunha e vinha correndo morder os pés de sua presa. Recolher a fera assassina e recolocá-la no aquário exigia coragem, agilidade e mais um pouco de coragem. Graças a ele, mesmo a simples tarefa de alimentar as tartarugas era complicadíssima, pois Dino estava sempre à espreita, pronto para atacar sem dó nem piedade a mão de sua afetuosa dona.
E esses répteis frios e apáticos foram os primeiros cachorros que pequena Quel conheceu em sua vida. Depois veio o Neno, uma fofura de cão-roedor (mas essa é outra história). Por isso, amigo leitor, quando você ver nossa amiguinha brincando com Lady Biscoito de maneira esquisita, lembre-se: Quel ainda não sabe ao certo como é ter um cachorrinho de verdade, então ela faz o melhor que pode com tudo o que aprendeu em suas experiências anteriores.
As aventuras de pequena Quel
Episódio de hoje: Aprendendo alemão
Aula de alemão. Sala abafada. Calor dos infernos. E fome. Muita fome. Afinal, quem foi que disse que aula de alemão na hora do almoço é mais legal que noite adentro?
A professora entra na sala e faz a chamada. 20 alunos presentes, outros 4 devem estar comendo batatinhas na física ao invés de estudarem o mais-que-perfeito de língua teuta. A professora parece brava, tem cara de má. E pior: só fala alemão em sala de aula! Ela se levanta, caminha pela sala, olha bem o rosto de seus alunos e começa a dar instruções sobre o que eles devem fazer. Pequena Quel, cujas perninhas não alcançam o chão, balança os pés para frente e para trás enquanto entende algumas informações soltas: atividade, 5, alunos, 4, livro, caderno, descer, biblioteca, caixa, dicionários.
E então a professora deixa a sala.
Aos poucos, conversando entre si, os alunos vão montando um quebra-cabeça: atividade para ser feita em grupos de 5, não!, em 5 grupos de 4 alunos; devem usar o livro e anotar as respostas no caderno; a professora vai descer até a biblioteca para buscar a caixa com os dicionários.
Todos, satisfeitos com a aparência final do quebra-cabeça, arrastam carteiras e, vagarosamente, montam grupinhos mal distribuídos pela sala.
A professora retorna, coloca a caixa de dicionários em cima da mesa, chama a estagiária (Leah, alemã, berlinense, gosta de política) e elas começam a conversar entre si em voz baixa. Os alunos também conversam entre si enquanto aguardam instruções. As instruções não chegam. Pequena Quel olha insegura para a professora, para a estagiária, para seus pezinhos, para a Mi, para seus colegas e, então, volta a olhar seus pezinhos enquanto os balança para cá e para lá.
Um aluno levanta e pega um dicionário. Bravo guerreiro! Orgulho de toda uma turma, quiçá de toda uma nação! Outro colega o segue. Pequena Quel se levanta e pega um para si e mais um para cada colega em seu grupo (é preciso fazer amizades para se sobreviver a um semestre de alemão). Em pouco tempo, cada aluno segura um dicionário. E, então, cada um olha para o colega do lado com a expressão de quem quase pergunta. Alguns minutos entram na sala e, ignorando o grupo confuso, logo vão embora, sem oferecer ajuda ou esperar pelo desfecho. É assim que o tempo passa.
Pequena Quel finalmente divide sua angústia com os colegas do grupo, em voz baixa, quase num sussurro: “ela já disse o que temos que fazer?”; um colega do grupo ao lado responde: “acho que sim, deve ser tarefa do livro”. Rapidamente, cada aluno abre seu livro e começa a procurar a tarefa… uma tarefa… qualquer tarefa! A busca é incessante. Aos poucos, vozes inquisidoras vão se tornando cada vez mais altas:
“ela disse mesmo?”,
“deve ter dito!”,
“acho que é o exercício 5”,
“ela falou alguma coisa de caderno”,
“ela também falou ‘allerdings’, mas não entendi o resto”,
“o que é ‘allerdings’?”,
“ale-o-quê?”,
“‘allerdings!”,
“que palavra engraçada!”…
E, assim, mais alguns minutos vão embora. Quando os alunos se dão conta de que não haviam entendido qual era a tarefa, uma pequena vergonha surge na sala e, aos poucos, vai tomando conta da turma. E pequena Quel só consegue olhar para seus pezinhos, para cá e para lá. Mais de quatro semestres de estudos e ninguém havia entendido o que deveria ser feito. Pezinhos. E agora? Para cá. Perguntar? Para lá. Correr o risco de levar uma bronca? Pezinhos. Mas já se passou tanto tempo! Para cá. Alguém vai perguntar logo. Para lá. E logo era tarde demais.
Eis que a estagiária pergunta à professora:
_ O que eles estão fazendo?
E a professora responde surpresa:
_ A tarefa!
_ Que tarefa?
_ A tarefa que eu passei para eles.
_ Mas você não passou tarefa nenhuma
Todos os olhares estão fixos na professora. Ela respira fundo e olha para pequena Quel, que, muito habilmente, concentra-se em seus pezinhos, para lá e para cá. A professora então se dá conta de que não havia passado a tarefa. Ao sair para buscar os dicionários, esquecera-se de que não havia terminado de dar suas instruções. Mas ela está brava. Como ela iria saber que não havia passado a tarefa? Todos estavam com dicionários em mãos, lendo o livro e discutindo em grupo! A vergonha fica cada vez maior, até tomar conta da Unicamp inteira. Os alunos no CB de súbito se sentem envergonhados sem nem saber o motivo. E, na aula de alemão, pequena Quel é toda pezinhos, para cá e para lá.
As aventuras de pequena Quel
Episódio de hoje: Comprando uma geladeira
Em dezembro de 2012, pequena Quel, que já não é tão pequena assim, comprou uma geladeira da GE. Duplex, 445 litros, Frost Free e o escambau a quatro. Só que a geladeira veio com problemas existenciais. Não tinha vocação para refrigerador. Desde que foi montado, esse eletrodoméstico queria ser um armário. Um armário branco, bonito e imponente… mas um armário. E ao longo do ano nossa heroína teve que lidar com as crises dessa complexa geladeira. E vejam bem, caros leitores, pequena Quel sempre respeitou e defendeu o direito de escolha de seres animados e inanimados. Mas essa não era uma situação comum. Acontece que, em seus ataques, o louco refrigerador acabava ferindo todos ao redor. Vários alimentos não resistiram e, após dias de agonia, pereceram. E existe coisa mais doída na vida que ver uma bandejinha de bacon ser jogada fora? Era uma bandeja com tanto potencial! Poderia ter sido tanta coisa gostosa na vida… mas a GEladeira desvairada, num posicionamento absurdamente autocentrado, roubou do bacon todas as suas possibilidades. E isso pequena Quel não podia perdoar. E não vamos nem falar dos queijos, ok? Esta história já é trágica demais sem ficarmos listando os queridos companheiros que pereceram antes do tempo.
E então, a cada crise, o técnico autorizado era chamado. Ele vinha, conversava com a GEladeira, fazia carinho, trocava os parafusos soltos e fazia com que ela voltasse a gelar. Mas essas crises existenciais se repetiram várias vezes ao longo do ano e, em dezembro de 2013, pequena Quel percebeu que a garantia da GE estava para vencer e que a diaba iria continuar tendo suas crises a cada três meses. Assim, pequena Quel tomou duas importantes decisões: pedir o dinheiro de volta (conforme prevê o código de “defesa” do consumidor) e comprar uma geladeira que fosse assim uma Brastemp.
É claro que conseguir o dinheiro de volta não foi fácil. Foram meses de muita luta e inúmeras ligações no SAC da MABE. A princípio, pequena Quel não estava só: ela tinha o Super-PROCON do seu lado. Levou um tempo até ela perceber que o PROCON só servia para lhe orientar incorretamente e lhe fazer promessas que não era capaz de cumprir. Ainda assim, após quase quatro meses e muito estresse, o dinheiro foi devolvido.
E aí pequena Quel foi toda saltitante comprar uma nova geladeira. Ela tomou banho, colocou uma roupa bonita, arrumou o cabelo, passou perfume e… entrou no site do Extra para comprar sua Brastemp. Depois de tantos meses e de tanta briga para se livrar do encosto da GE, tudo o que ela queria era uma geladeira decente, discreta e que cultuasse bons livros. A compra foi feita e a geladeira foi entregue. Fim? Até parece…
Depois de checar a nota fiscal e as etiquetas externas do produto, pequena Quel disse “tchau” aos simpáticos entregadores e foi abraçar e amar sua Brastemp. Tirar o plástico e as mil proteções de isopor foi uma diversão à parte. Nossa amiguinha pulava feliz da vida para conseguir soltar o plástico que se enroscou na parte de cima do refrigerador! Cenas de sincera felicidade.
Mas nem tudo são flores na vida de pequena Quel… quando ela finalmente foi conectar a bonitinha na tomada, veio a surpresa: 220V. Estranho, pois ela comprou uma 110V.
Nota fiscal: 110V
Etiqueta na porta: 127V
Etiqueta grande atrás da geladeira: 127V
Etiqueta pequena atrás da geladeira: 220V
Etiqueta no plug: 220V
Adesivo no motor: 220V
WTF? Tão brincando de quê?
Essa era para ser a geladeira perfeitinha… aquela que iria refrescar seus dias com chá gelado, cuidar do seu bacon, proteger seus queijos e, de quebra, gelar as taças ao lado da garrafa de champagne francês (pois pequena Quel é chique e manda beijin no ombro).
Agora nossa pequena aventureira parte em uma nova jornada: conseguir trocar a geladeira por uma com a voltagem definida e correta. O prazo informado para a troca é dia 28/03; afinal, geladeira não é algo assim tããão importante. Nossa heroína não estava fazendo nada mesmo, então ela pode se sentar e esperar. No momento só posso dizer que pequena Quel está aceitando doações de caixas de isopor e paciência.
E aí, amiguinhos? Conseguirá pequena Quel ter uma geladeira que funciona?
[Continua…]
Indo ao Teatro…
Brasileiros, de modo geral, não têm o costume de frequentar teatros. Não os culpo. Entre os poucos teatros existentes, um número ainda menor está em boas condições e são acessíveis à população comum. Mesmo assim, quando vou assistir a um espetáculo, não consigo deixar de olhar feio para quem não respeita algumas das convenções do teatro.
É evidente que algumas apresentações permitem à plateia uma liberdade maior; mas, na maioria dos espetáculos, o bom senso pede para seguirmos as convenções: uma forma singela e centenária de mostrar ao artista o quanto você respeita o trabalho dele.
A maior dica para quem não está acostumado a frequentar teatros é OBSERVAR. Na dúvida, olhe discretamente para ver o que as outras estão fazendo; evita-se, dessa forma, aplaudir ou virar às costas para o palco na hora errada.
Os aplausos são um grande problema principalmente quando se trata de concertos: o costume é aplaudir apenas no final, e não entre os diversos atos ou movimentos que estiverem sendo executados. No entanto, mais mal educado do que quem aplaude no momento errado é quem o corrige com um sonoro “chiiii”.
As convenções existem e eu, particularmente, as aprecio muito; mas é evidente que as regras podem ser quebradas, só que devemos tomar muito cuidado para não ofender os que nos brindam com sua arte: Beethoven, por exemplo, chegou a ser aplaudido em Paris após cada um dos movimentos, mas duvido que ele tenha se sentido ofendido. Vale o bom senso.
As campainhas do teatro, para mim, são sagradas. Sempre há quem, mesmo após a terceira campainha, continue conversando como se estivesse em sua própria casa. Eu fecho a boca logo após a segunda campainha, assim tenho tempo de me preparar para a apresentação. Imagino as campainhas como níveis de concentração: e a terceira exige toda a atenção do mundo voltada para o palco.
Comentar o que está se passando também pode ser muito desagradável. O melhor é guardar seus comentários para quando a apresentação estiver acabada. Lembro-me de uma vez que, enquanto todos esperavam que um ator fosse aparecer no palco, ele apareceu no fundo do teatro; e alguém gritou “ele está ali atrás!”. Ridículo. Teria sido muito mais educado se cada um que percebesse onde estava o ator virasse seu pescoço para trás, em pouco tempo todos já teriam notado e a fala da personagem não teria sido interrompida.
Falando em interrupção, de nada adianta desligar o celular se você não se lembrar de checar o relógio. Aqueles apitos de hora em hora também podem incomodar. Tosse também tem limite: se achar que não irá parar logo de tossir, o melhor é se dirigir ao banheiro e voltar quando estiver se sentindo melhor.
O final do espetáculo também exige alguns cuidados: em um concerto as palmas são longas, geralmente terminam após o maestro agradecer, pedir aos músicos para agradecerem e então agradecer novamente. Algumas vezes os aplausos vão além disso, obrigando o maestro a retornar mais vezes ao palco. Enquanto houver aplausos ele tentará ir embora e será obrigado a retornar, por isso também não é legal aplaudir demais.
E antes de sair, certifique-se de que os artistas deixaram o palco. Não vire às costas enquanto eles ainda estão apreciando os aplausos e desfrutando do resultado de sua apresentação.
Se você não ficou satisfeito com o que viu, não precisa aplaudir de pé; mas deixar de bater palma me parece um exagero. Você provavelmente escolheu ir ao teatro por conta própria, então não precisa ofender os artistas ou os que gostaram da apresentação. Expresse sua opinião ao não recomendar o espetáculo para um conhecido. Não precisa ser mal educado.
Para quem não tem o hábito de ir a teatros, é realmente difícil se policiar o tempo todo para respeitar às convenções ou para quebrá-las sem perder o bom senso, mas acho que vale o esforço.
Ser plateia também é uma arte; e se cada um desempenhar bem o seu papel, o espetáculo será ainda mais bonito.
Super Alunos da UNICAMP
Situação 1 – Aula de Escrita e Oralidade: Ninguém era muito fã da aula, embora não fosse das piores. No começo do semestre a professora avisou que faríamos 2 trabalhos e uma prova. Até aí nada de anormal. As semanas foram se passando, fizemos os trabalhos, mas a professora nunca que marcava a tal prova. Para mim era óbvio que ninguém devia tocar no assunto. Mas não é que na penúltima semana de aula uma colega minha resolve abrir a boca? (“E a prova, professora?”). Pode? O pior foi a resposta da professora: “Nós tínhamos combinado uma prova? Não tem problema, vamos marcar para a semana que vem”. É claro que depois da prova até a coleguinha que nos fez passar por isso ficou reclamando da tarefa.
Situação 2 – Aula de Estágio Supervisionado I: É importante ressaltar que nenhum grupo de estágio tem aula, a não ser o meu (claro!); pois, com meu bom gosto para escolher professores, eu escolhi o único que faz questão de dar aulas, ao invés de só orientar o andamento do estágio que, diga-se de passagem, nem é remunerado. A Unicamp estava no começo da greve, alguns institutos e algumas faculdades já haviam aderido, mas a maioria nem havia se manifestado. No meu instituto só os funcionários estavam em greve, mas na Faculdade de Educação os professores e os alunos já haviam aderido. Como a aula é nessa Faculdade, por respeito aos alunos, o professor perguntou se nós estávamos em greve; um garoto da minha turma tentou mentir discretamente: disse que alguns estavam sim em greve e tentou enrolar o professor com um papo de que ainda estávamos conversando melhor a respeito. Mas é claro que várias vozes se levantaram para contestar: “Não! Não estamos em greve! Ninguém falou de entrar em greve ainda!”. Então ele decidiu prosseguir com a aula. Será que em nenhum momento passou pela cabeça da minha turma que se o garoto estava mentindo era porque ele tinha uma boa razão para isso? Todo mundo vivia reclamando das aulas e dos textos a serem lidos e apresentados (fora as muitas horas de estágio nas escolas), mas quando temos a real oportunidade de perder uma ou duas semanas de aula, todos se revoltam.
Situação 3 – Aula de Interpretação de Texto: Minha professora, super antenada com o mundo virtual, decidiu pedir para que fizéssemos como trabalho final um filminho do tipo dos filminhos do you tube (sim, essa era a descrição do trabalho!). Ou seja, como tarefa final ela nos pediu uma animação em flash ou similar. Na hora eu imaginei o quanto aquilo me daria trabalho, mas não achei uma idéia tão ruim; fiquei até curiosa para ver como o resto da turma iria se virar (pois no IEL quem sabe mexer com o Word já é considerado “gênio da informática”). Eis que a professora ainda pede para fazermos uma resenha. A avaliação nessa disciplina seria composta por 3 provas e 3 resenhas, e quando a professora surgiu com essa idéia, pensei que estava livre da tal resenha, mas não. E o livro tem lá suas 250 páginas… Enfim, aula passada, depois de já ter verificado a opinião de alguns colegas, falei com a professora sobre a impossibilidade de se fazer uma resenha mais um trabalho bem feito em programas de computador nos quais nem sabemos mexer (ainda). Então a professora jogou a decisão para a turma: “Eu não abro mão da resenha, pois vocês não iriam ler o livro (risadinha de deboche). Então vocês podem escolher entre ‘resenha e trabalho’ e ‘resenha e prova”. Fiquei aliviada, era evidente que fazer uma prova em 2h era infinitamente melhor que passar 3 semanas aprendendo a usar editores de vídeo para produzir algo minimamente decente. Mas adivinhem? “Professora, a gente prefere o trabalho e a resenha! Pois o trabalho vai ser muito legal de fazer!”. Ou eles não têm mais o que fazer ou vão fazer uma droga de animação usando o Paint (última novidade no maravilhoso mundo das tecnologias digitais).
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Agora me respondam? Essas pessoas têm vida pessoal? Jogam vídeo-game? Assistem Big Bang Theory na televisão? Saem com o namorado? Bebem com os amigos? Eu duvido. Sou uma das melhores alunas da minha turma, quiçá do Instituto, mas se surge uma oportunidade de não ter uma aula chata ou de não fazer uma prova, é claro que eu vou adorar! Não vejo problemas em querer estudar, mas eles exageram.