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Mensagem Subliminar IV: Hércules

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Para começar, precisamos contextualizar o filme Hércules (1997), pois os caça-subliminares parecem não se dar o trabalho de separar o mundo-real-atual do mundo-mitológico-grego-antigo:

O desenho conta a história do personagem mitológico Hércules (também conhecido por Héracles, Alcídes e por muitos epítetos), herói famoso em toda a literatura antiga (cf. Hesíodo, Apolodoro, Virgílio, Propércio, Ovídio, Higino, Sêneca, entre muitos outros autores). O filme da Disney traz uma versão do mito de Hércules levemente baseada nos dados mais recorrentes entre as várias versões existentes e, claro, com inovações para cativar o público infantil.

A história se passa no mundo mitológico da Grécia antiga, ou seja, está muito distante da nossa realidade: mesmo entre os gregos antigos, segundo relatos, não era possível afirmar se Hércules existiu ou se era somente uma história inventada que foi contada ao longo de gerações; e, se ele existiu, o mais provável é que ele não era um herói semi-humano com força sobrenatural. Assim, a história de Hércules não evoca um civilização demoníaca que lida com forças malignas, mas um povo antigo cujas crenças devem ser respeitadas.

Para minha crítica, dentre os muitos sites que apontam subliminares em Hércules, utilizei principalmente esteeste e este vídeo (de um pastor).

Enfim, o primeiro ponto que sempre criticam em relação à história é a presença de Hades, que muitos afirmam ser “inferno” em grego. Mas eu explico: Hades vem do grego Άΐδης, que significa “aquele que não pode ser visto”; era, de acordo com a mitologia, o deus do Mundo dos Mortos, também chamado de Inferno (mas que não deve ser identificado com o Inferno dos cristãos, pois há uma distância cultural gigantesca entre essas duas definições). É evidente que mais tarde a palavra Hades foi utilizada para designar o inferno do mundo cristão, como pode ser verificado em algumas passagens bíblicas, mas foram homens cristãos que fizeram essa identificação muito depois do surgimento de Hades na religião grega.

É importante destacar que Hades não era necessariamente mau, assim como todos os outros deuses, ele desfavorecia ou favorecia alguns mortais de acordo com sua vontade. Mas na história da Disney ele é o vilão, ou seja, ele é como o Capitão Gancho ou a bruxa malvada da Branca de Neve: não é o demônio em pessoa se manifestando pra destruir criancinhas diante da TV.

A figura de Phil, treinador do herói, também é apontada como referência ao demônio em forma de bode. Bom, Filoctetes na mitologia grega possuía a forma humana e não desempenhava o papel que ele tem na animação; mas muitas são as figuras metade bode e metade homem na mitologia, como os sátiros e o deus Pan. Há quem diga que Phil é uma referência ao paganismo, então eu digo: o filme todo é uma grande referência ao paganismo, pois a religião grega antiga, não sendo cristã, pode ser considerada pagã.

Há uma cena do desenho muito comentada nos sites de subliminares: nessa cena, o fogo da cabeça de Hades forma a palavra Jesus (bem no momento em que ele diz “e o único idiota que pode estragar tudo está perambulando por aí”) e depois esse mesmo fogo forma uma cruz.

Ok. Vamos analisar a imagem da “óbvia” referência a Jesus que não dura nem meio segundo:

Eis o que os “especialistas” em subliminares veem:


Como quem procura acha, olha o que eu encontrei nessa mesma cena:

1. J suis, do francês, Je suis (“eu sou”); dessa forma, acredito que a disney estava conduzindo as crianças, principalmente as francesas, a um momento de catarse, para que pudessem refletir sobre sua trajetória pessoal.

2. S.O.S.: uma clara referência à necessidade de se pedir ajuda em caso de incêndio, alerta reforçado pelo fogo que emana do corpo de Hades.

3. II aviãozinho Y N: como sabemos, YN é New York ao contrário. A referência ao ataque  às torres gêmeas do WTC é evidente no desenho do primeiro prédio prestes a ser atingido pelo avião terrorista, e o fogo de Hades ajuda a compor a cena trágica que chocou o mundo no dia 11 de setembro de 2001. Essa previsão é ainda reforçada pelo fato de Hércules (1997) ter estreado na Nova Zelândia no dia 11 de setembro (ver IMDB).

Em relação ao símbolo da cruz, preciso mesmo explicar? Se a personagem tem na cabeça uma chama que é atiçada de acordo com seu humor, numa explosão de raiva é aceitável que ela tome conta de todo o seu corpo; e, se ele abre os braços nesse estado de ira, o que temos? Uma cruz.

Ora, qualquer pessoa em pé que abrir os braços com as pernas fechadas irá formar uma cruz (será coincidência? o.O). Há quem veja no Cristo Redentor uma referência a sua crucificação, mas há quem veja nele um Jesus abraçando a humanidade, abençoando o Rio de Janeiro e distribuindo amor. Ou seja, nem todo braço aberto faz referência à cruz. E mais, a cruz, antes de ser o símbolo do cristianismo, era uma estrutura de madeira que mantinha os prisioneiros (cristãos ou não) de braços abertos para que tivessem uma morte lenta e dolorosa; e a forma em T era só um dos muitos modelos utilizados para a crucificação na antiguidade.

E agora eu pergunto, quem é “o único idiota que está perambulando por aí” a quem Hades se refere naquela cena?
a)     Hércules.
b)     Jesus.
c)     Quem inventa mensagens subliminares para assustar criancinhas.
d)     Eu, que me dou ao trabalho de tentar explicar o que mentes doentias veem em uma simples animação infantil.

Written by Quel

setembro 4, 2010 at 7:49 pm