Quel

Archive for abril 2009

Diários de Viagem

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– Fevereiro de 1988bertioga-lugares-do-brasil

Uma criatura estrebuchada numa toalha sobre a areia. Linda. Sexy. Bronzeada. Todos os gatinhos da praia paqueravam a pequena menininha que delicadamente colocava seus dedinhos na boca, provocando. Era eu.

Já no segundo mês de vida tive minha primeira grande aventura: uma jornada à Bertioga.

A viagem fora cansativa e quente. Minha mãe insistia em me envolver em uma manta, quando o que eu mais queria era colocar meu mini biquíni preto e exibir minhas dobrinhas na perna.

Pequena Quel olhava a água com um misto de curiosidade e medo. Mal havia começado a enxergar e se deparava com um mar imenso e imensa quantidade de areia. Não conseguia se arrastar para além da toalha, pois seu pai, sempre atento, colocava-a de volta em segurança, para longe da contaminação da areia. Ao seu lado, o irmão construía castelos tão imensos que ela poderia entrar lá dentro, e ele a teria colocado lá se a mãe não o tivesse impedido.

bertiogaAinda me lembro de como minha boca espumava só de pensar em um sorvete, um belo picolé de uva. Mas só me era oferecido leite, quentinho. Só meu irmão percebeu minha angústia por uma comida de verdade e tentou me alimentar com milho cozido. Bom irmão.

Era um sem fim de cores e sons. Minhas orelhas ainda sensíveis, acostumadas com canções de ninar, não suportavam aquela música rude e primitiva. O hotel tinha um cheiro estranho, uma mistura de pinho-sol com camarão; muito diferente do cheirinho de morangos do meu quarto que ficara em Campinas. Secretamente eu me perguntava se algum dia retornaria à casa. Tanto tempo longe. Saudades dos meus brinquedos e do aconchego de meu bercinho.

Muitas lembranças boas certamente ficaram perdidas ao longo dos anos que me separam daquele frágil bebê em sua primeira grande aventura. Mas aquela viagem foi a primeira. De muitas outras.

Written by Quel

abril 21, 2009 at 6:51 pm

Da Arte de se Trabalhar em Grupo

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Trabalhar em grupo pode ser um desafio imenso, ainda mais quando você não pode escolher seus colegas de trabalho. Mas, pelo bem do seu desempenho acadêmico, é preciso escolher muito bem as palavras para se comunicar com o pessoal.

Eis uma pequena lista de como traduzir seus pensamentos em frases cordiais:

NEM FODENDO!
Não tenho certeza se vai ser possível.

TÔ CAGANDO E ANDANDO.
Não vejo razão para nos preocuparmos.

MAS QUE PORRA EU TENHO A VER COM ESTA MERDA?
Inicialmente, eu não estava envolvido nessa parte do trabalho.

CARALHO!
Interessante, não?

FODA-SE!
Não acho que seja necessário.

NÃO VAI DAR NEM A PAU.
Acho que há razões que impossibilitam a concretização dessa tarefa.

PUTA MERDA, VIADO NENHUM ME FALA NADA!
Precisamos marcar outra reunião para conversarmos.

E NA BUNDINHA, NÃO VAI NADA?
Talvez eu possa fazer essa parte também.

O CARA É UM BOSTA.
Ele não entende muito desse tema.

VÁ À MERDA!
Sinto muito.

VÁ PRA PUTA QUE O PARIU.
Sinto muito, mesmo.

VÁ PRA PUTA QUE O PARIU, SEU VIADO!
Sinto muito, você tem razão.

BANDO DE FILHOS DA PUTA!
O outro grupo está fazendo um trabalho legal.

FODA-SE! SE VIRA!
Infelizmente, não posso te ajudar.

PUTA TRABALHINHO DE CORNO.
Adoro desafios.

AH, DEU PRO PROFESSOR?
Que bom que você ficou com 10!

ENFIA ESSA MERDA NO CU!
Está legal, mas por que você não refaz essa parte?

AH, SE EU PEGO O FILHO DA PUTA QUE FEZ ISSO!
Essa parte do texto não se encaixou muito bem.

ESTA MERDA TÁ INDO PRO BURACO.
O trabalho está mais difícil do que o esperado.

AGORA FUDEU DE VEZ!
A apresentação é para amanhã.

EU SABIA QUE IA DAR MERDA.
Desculpe, mas se eu tivesse sido consultada, teria dito que não daria certo.

OH CACETE! VAI SAIR CAGADA DE NOVO.
Deixa que eu corrijo isso, vocês já fizeram o bastante.

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Nota: texto adaptado a partir de um que tá rolando na net há algum tempo e que pode ser encontrado no Cidadão Maluco.

Jogo - Movimentos Literários - Design moderno

Jogo - Movimentos Literários (1)

Written by Quel

abril 15, 2009 at 7:44 pm

Publicado em Categoria qualquer

Preconceitos

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No imaginário de muitas pessoas, os americanos (estado-unidenses) são um povo racista que não tolera a diferença. Embora a mídia goste de divulgar os casos extremados de racismos que acontecem nos EUA, sabemos que eles são um povo tão heterogêneo quanto nós: cheios de raças e culturas diferentes que dificultam a definição do conceito “ser americano”.

gran-torinoNão querendo dizer que não há preconceito nos States, imagino que ainda existam muitos americanos que não se deram conta de que a nação deles pertence também a judeus, africanos, latinos, europeus, asiáticos e mais uma infinidade desses rótulos criados para tentar agrupar seres humanos, dividindo-os ora por religião, ora por cor da pele, ora por país de origem, ora por sotaque, etc.

Crash – no limite (2004) mereceu o Oscar de melhor filme ao ser capaz de mostrar como o preconceito é um mau que atinge diferentes culturas. Podem ser muitas as pessoas que têm medo do que lhes é estranho, mas os americanos brancos e conservadores costumam ser lembrados como os mais racistas.

Digo isso para mostrar como o cinema americano tem tentado cada vez maisrio-congelado mostrar que esses americanos conservadores podem vencer o preconceito e rever a maneira como encaram outras culturas. E ainda mostram como essas pessoas só têm a ganhar ao se abrirem para novas culturas. Geralmente motivados por uma tragédia pessoal, os filmes procuram mostrar que mesmo a mais preconceituosa das pessoas pode aprender a conviver com o diferente e aprender com ele.

Em Campinas estão em cartaz três grandes filmes que de uma forma ou de outra esbarram nessa transformação do americano preconceituoso em uma pessoa mais consciente a respeito das outras culturas: Rio Congelado (2008), O Visitante (2007) e Gran Torino (2008). Três histórias que emocionam, mas que também nos fazem refletir sobre a intolerância.

the-visitorOs americanos podem aprender muito com esses filmes, mas nós brasileiros também temos muito o quê aprender. Será que o cinema é uma mídia capaz de ajudar alguém a se tornar um ser humano melhor? Não sei. E também não me arriscaria dizer que esse era o objetivo dos produtores. Mas fica a dica de três excelentes filmes que contam as histórias de americanos que foram obrigados a rever o posicionamento deles diante do outro, do exótico, sem que, necessariamente, o combate ao preconceito seja o mote principal do filme.

Em tempo: existe ainda um quarto filme, também em cartaz no momento, que parece tratar do tema; mas ainda não tive a oportunidade de assisti-lo: Território Restrito (2009).

Written by Quel

abril 12, 2009 at 4:16 pm

Publicado em Cinema

Mensagem Subliminar: Cinderela

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É irritante ler a respeito de mensagens subliminares na internet, pois agora qualquer coisa é motivo para alguém sair divulgando que se trata de uma referência ao demônio, apologia ao suicídio, incentivo às crianças para matarem seulucifer-cara-de-mau1s pais, etc. E os filmes da Disney se tornaram o alvo preferido.

Quem digitar Lúcifer e Cinderela no Google ficará surpreso com a quantidade de sites que simplesmente repetem o que algum espertinho resolver falar a respeito da presença maligna de Lúcifer no desenho da Gata Borralheira (1950). É justamente a este texto tão divulgado na internet que pretendo responder:

Mensagens Subliminares em Cinderela:

– Um ratinho é descoberto no porão, e ainda não fala como os outros, amigos de Cinderela, porém quando colocam nele um chapeuzinho e um par de sapatinhos como de duendes, este imediatamente começa a falar.

ratinho

Eu vejo nas roupinhas mais uma humanização dos animais do que uma relação com duendes. Mas se alguém deseja ver duendes por toda parte, eu respeito.

– O nome do gato é lúcifer. Cinderela abre a porta do quarto, a luz entra e bate nos olhos do gato que acabara de acordar, e o chama: ” – Lúcifer, venha aqui”.

Uma invocação do demônio? Ora, mesmo que fosse, seria então preciso destacar que Lúcifer se recusa a ir de encontro à Cinderela e então ela ordena que ele faça a sua vontade. Sendo assim, a mensagem poderia ser a de que podemos nos impor sobre a vontade do Diabo e lhe dar ordens. Mas, sinceramente, eu acho isso tudo uma grande besteira. O nome do gato é Lúcifer, sim, e daí? Não entendo essa relação feita com o próprio Satã. (Quem quiser acompanhar a cena pode encontrá-la neste link do YouTube).

– Logo após esta cena, acontece um diálogo entre a Cinderela e o cachorro (Bruno) que acabara de ter um pesadelo com o gato (Lúcifer). Ela tenta convencê-lo que Lúcifer é bom, e diz: “…Lúcifer tem o seu lado bom…” Isto traz confusão na mente das crianças, pois quando os pais estiverem ensinando a respeito de Satanás, o filho que tem a cena gravada no seu inconsciente, diz a si mesmo: “Ora, mas ele tem o seu lado bom”

Esse comentário é particularmente hilário. Mesmo que o filme estivesse tentando levar as criancinhas a abandonarem suas crenças e se juntarem ao Sr. Walt Disney em uma seita satânica, faltou lembrar que Cinderela, ao tentar mostrar o lado bom de Lúcifer, não consegue enumerar nenhuma qualidade do bichano. Observe a fala de Cinderela (eu fiz a tradução do original, pois não consegui assistir à versão dublada do filme):

Cinderella: [to Bruno, the dog] Dreaming again. Chasing Lucifer? Catch him this time? That’s bad. (Sonhando novamente. Perseguindo Lúcifer? Você o pegou desta vez? Que feio!) [Lucifer snickers]

Cinderella: Suppose they heard you upstairs. You know the orders. So if you don’t want to lose a warm, nice bed, you’d better get rid of those dreams. Know how? Just learn to like cats. (Acho que lhe ouviram lá em cima. Você conhece as ordens. Então, se você não deseja perder uma cama boa e quentinha, é melhor você se livrar desses sonhos. Sabe como? É só aprender a gostar de gatos.)

[Bruno groans]

Cinderella: No, I mean it. Lucifer has his good points, too. For one thing, he… Well, sometimes he… Hmmm. There must be something good about him! [Bruno laughs at Lucifer] (Não, eu falo sério. Lúcifer também tem seu lado bom. Por exemplo, ele… bem, algumas vezes, ele… Hmmm. Tem que haver algo de bom nele!)

Se a Disney pretendia passar a mensagem de que o Diabo é uma criatura boa através do gato Lúcifer, não fez um bom trabalho. Como eu já disse, não acredito que a intenção fosse relacionar o gato com o símbolo cristão para O Mau, mas mesmo se fosse o caso, não vejo uma exaltação do demônio através das personagens do filme.

Em um site também encontrei o seguinte comentário sob o título “O império do mal” (sic) de alguém que assina como “Pastor Josué Urion”.

Já reparou bem no nome do gato desse desenho? “Lúcifer”! Carácules! Isso é a maior conjuração! É uma evocação da entidade Lúcifer, o demônio! Tem uma cena em que a Cinderela chama esse gato. Experimente fechar os olhos durante essa cena. Apenas ouça ela falar: “Lúcifer, venha cá.”. Você teria coragem de falar “Lúcifer, venha cá” em sua própria casa? (bom…com certeza não se estiver sozinho e for meia-noite) Como deixa um desenho animado fazer isso por você?

lucifer-dormindo

Vale destacar que Lúcifer, a princípio, não significa Demônio. É uma palavra latina que, literalmente, significa “o portador da luz”, “aquele que carrega a luz” (Luci-, de luz – em latim, Lux, lucis; e -fer, imperativo do verbo carregar – em latim, ferre ). Lúcifer era o nome dado à Vênus, à Estrela D’Alva, a estrela mais brilhante pela manhã. O que me parece evidente quando, no filme, a primeira vez que vemos o gato é com a luz da manhã batendo em seu rosto.

Acredita-se que a palavra só tenha ganhado o sentido de Demônio por conta de uma passagem bíblica. Observe Isaías (14:12), na Vulgata, tradução da bíblia para o latim:

Quomodo cecidisti de caelo, lucifer, fili aurorae? Deiectus es in terram, qui deiciebas gentes.” (Como caíste do céu, lúcifer, filho da aurora? Foste jogado por terra, tu que derrubavas os povos.)

Essa passagem faz parte de um discurso dirigido ao Rei da Babilônia, provavelmente o tirano Nabonide, prevendo sua queda no poder e a libertação do povo de Israel. Assim, a partir de uma comparação entre o Rei da babilônia e a Estrela D’Alva, passou a se associar o nome Lúcifer (tão inocente no início) com o de um anjo que supostamente teria caído do céu. Não é de se estranhar que nas traduções da bíblia evita-se chamar a estrela de Lúcifer: na minha versão francesa da bíblia lê-se “Astre brillant”; e na portuguesa, “Estrela brilhante” e então segue uma nota dizendo “Daí vem o nome Lúcifer, dado a Satã”.

lucifer-carinhoO fato de o gato ser malvado não ajuda muito minhas teorias… mas eu o vejo mais como um personagem caprichoso e encrenqueiro, como são os gatos no imaginário de muitas crianças; se prestarmos atenção na relação do gato com a Cinderela no início do filme, para mim fica claro que ele quer a atenção dela, o que não ganha. Observe a cena em que ele simula ter sido atacado pelo cachorro, o que faz com que Cinderela conduza Bruno para fora da casa; no momento em que o gato vai receber o leite, é evidente que ele queria um carinho da princesa, mas recebe a bebida secamente.

Ele não é a encarnação do demônio. É só um gato.

Written by Quel

abril 1, 2009 at 2:00 pm