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Ovídio, Fastos II, 247-262

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Brincando de traduzir

Forte Ioui Phoebus festum sollemne parabatHidra_Corvo_Taca_
(Non faciet longas fabula nostra moras):
« I, mea », dixit, « auis, ne quid pia sacra moretur
Et tenuem uiuis fontibus affer aquam ».
Coruus inauratum pedibus cratera recuruis
Tollit et aerium peruolat altus iter.
Stabat adhuc duris ficus densissima pomis ;
Temptat eam rostro: non erat apta legi.
Immemor imperii sedisse sub arbore fertur,
Dum fierent tarda dulcia poma mora.
Iamque satur nigris longum rapit unguibus hydrum,
Ad dominumque redit fictaque uerba refert:
« Hic mihi causa morae, uiuarum obsessor aquarum;
Hic tenuit fontes officiumque meum ».
« Addis » ait « culpae mendacia » Phoebus « et audes
Fatidicum uerbis fallere uelle deum?

E apolo tava lá preparando uma festinha pra Júpiter
(Vou falar rapidinho pra ninguém se cansar, tá?)
E aí diz: “corvo, vai lá buscar um tanto de água fresca
Que é pra eu fazer logo a macumba aqui.”
O corvo pega com seus pezinhos curvos a taça de ouro
E vai voando pelos ares buscar a tal água.
Só que ele encontra uma figueira bem carregadinha no caminho,
E, quando vai comer, percebe que os figos tavam tudo verde.
O corvo nem tava fazendo nada mesmo, então decide se sentar
E esperar as frutas ficarem gostosas.
Depois de comer tudo, o corvo mata uma cobra
E leva lá com ele para casa. E aí chega pro Apolo falando:
“Ô seu Apolo, o negócio é o seguinte… eu tava lá…
Protinho para pegar a água, mas esse bicho aqui não deixou.”
E Apolo responde: “corvo, o senhor é um fanfarrão, corvo,
Como é que você tenta mentir para o deus vidente?”

(Tradução de Quel Faustino, 2014)

Written by Quel

julho 20, 2015 at 2:06 pm

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Libertas que será também

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Na bandeiraBandeira_Minas mineira lê-se: Libertas quae sera tamen.

A tradução desse verso, escolhido pelos inconfidentes para estampar a bandeira do estado de Minas Gerais, gera discussão somente entre os latinistas, pois, para grande parte da população, a indiscutível tradução seria “Liberta que serás também”.  E assim dizia ter traduzido Vinícius de Moraes no poema Pátria Minha:

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também”

O lema latino é um verso que compõe a obra Bucólicas (também conhecida por Éclogas), de Virgílio. O famoso poeta da Eneida assim escreveu:

Libertas, quae sera tamen respexit inertem,
candidior postquam tondenti barba cadebat,
respexit tamen et longo post tempore venit,
postquam nos Amaryllis habet, Galatea reliquit.

(Bucolica, I, vv. 27-30)

Gosto de uma antiga tradução para esse trecho (de A.T.M., 1825):

A liberdade; a qual inda que tarde
Com tudo sobre mim então inerte,
Quando eu já branca tinha a minha barba,
Suas vistas lançou mui favoráveis.
Sim seus olhos pôz em mim, e chegou
Longo tempo depois, quando Amaryllis
Em seu poder nos tem, e Galeteia
De todo nos deixou inteiramente.

Entre as traduções aceitáveis para  o lema da bandeira a mais comum é “Liberdade, ainda que tardia”, mas na internet circulam diversas “traduções” para o dístico de Virgíliolibertas que sera. Há, por exemplo,  fotos de uma garota que tatuou: “Libertas que será também”. E, para mim, o mais curioso não é ter errado na tradução (poucas pessoas têm conhecido da língua latina ou tomam o cuidado de checar sua tradução leiga em uma fonte segura), o pior é o erro de português!

E então ela leva estampado no corpo a ignorância da língua latina (totalmente perdoável) e a ignorância da língua portuguesa (não tão perdoável assim).

Written by Quel

setembro 12, 2009 at 3:13 pm

Publicado em Curiosidades, Latim

Traduzindo

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Traduzir qualquer língua não costuma ser uma tarefa fácil, geralmente envolve um grande conhecimento da língua e do texto que está sendo traduzido. Mas como o latim e o português são línguas parecidas (há quem diga que as línguas românicas são dialetos do latim, dada a semelhança), não é raro encontrar quem se atreva a fazer uma tradução sem ter a mínima noção do que está fazendo.

Concordo que alguns textos em latim, por serem tão conhecidos (tanto em latim quanto em português), são facilmente traduzíveis. Como este trecho da Vulgata, por exemplo:

dixitque Deus: ‘fiat lux!’ et lux facta est. (E Deus disse: “faça-se a luz!” e a luz foi feita)

E a internet reúne muitas dessas traduções bizarras de pessoas que nem conhecem o texto, muito menos a língua latina. Um exemplo é a tradução da estrofe em latim da música Nirvana (do grupo Elbosco), que pode ser encontrada em diversos blogs e sites de letras de músicas. Eis o trecho da canção:

Et erunt signa in sole
Et luna et stellis
Et presura gentium
Prae confusione sonitus maris.

E, como pode ser verificado, por exemplo, no Vagalume ou no Letras, a tradução mais comumente encontrada é a seguinte:sol

E sempre siga o sol
A lua e as estrelas;
E aprecie gentilmente
A confusão dos sons dos mares.

Um trecho muito bonitinho, mas totalmente distante do que realmente diz o texto em latim. Eis a minha tradução:

E haverá sinais no sol,
Na lua e nas estrelas,
E também haverá angústia entre os povos
Diante de uma confusão de sons do mar.

Este trecho, bem distante do alegre convite para se apreciar a natureza, é,  na verdade, uma citação bíblica (Lucas, 21:25) a respeito dos sinais do apocalipse!

Nota: É evidente que traduções diferentes da minha podem ser propostas, alguém pode, por exemplo, dar um sentido diferente para a preposição “prae”; mas acho improvável que o trecho possa assumir um sentido muito diferente do que eu apresentei aqui.

Written by Quel

julho 11, 2009 at 2:36 pm

Publicado em Curiosidades, Latim